O alojamento local tem sido uma solução atrativa para muitos proprietários em Portugal. No entanto, a sua presença em edifícios residenciais tem gerado debates sobre a convivência entre moradores e turistas.
Quando um prédio está em propriedade horizontal, cada fração tem um proprietário, mas todos partilham a responsabilidade pelas partes comuns — escadas, elevadores, telhado, etc. É aqui que entra a figura do condomínio, que pode ter voz ativa sobre o uso que se faz das frações, incluindo o alojamento local. Quando se trata de instalar um AL, surgem dúvidas legítimas: os vizinhos podem impedir? É preciso autorização? E se causarem barulho, o que acontece?
Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 76/2024, e acumulando já várias decisões judiciais e práticas consolidadas, está na altura de clarificar o que diz a lei sobre os poderes do condomínio sobre o AL.
É Preciso Autorização do Condomínio para Abrir um Alojamento Local?
Esta é provavelmente a pergunta mais frequente quando falamos de instalar um AL em condomínio. Afinal, um prédio com várias frações e vizinhos pode ser um espaço sensível à entrada constante de turistas.
✅ Antes do Decreto-Lei n.º 76/2024
Durante vários anos, a lei previa que, nos edifícios em regime de propriedade horizontal, a instalação de um alojamento local numa fração destinada a habitação exigia autorização da assembleia de condóminos, exceto se o título constitutivo já previsse a possibilidade de uso para serviços ou turismo.
Esta exigência foi reforçada em 2018 com a Lei n.º 62/2018, que introduziu a necessidade de aprovação unânime dos condóminos para instalação de um hostel em prédios de habitação.
✅ Com o Decreto-Lei n.º 76/2024 (em vigor desde 4 de abril de 2024)
O novo regime traz uma mudança de paradigma:
- A autorização prévia do condomínio deixou de ser necessária para o registo de um alojamento local em frações habitacionais.
- Esta regra não se aplica a hostels, que continuam a exigir aprovação unânime da assembleia de condóminos para poder funcionar em prédios onde coexista habitação (art. 9.º da Lei 62/2018 e art. 6.º do DL 128/2014).
Assim, qualquer proprietário pode, em regra, registar um AL na sua fração, desde que a licença de utilização permita uso habitacional, e desde que respeite os requisitos legais e regulamentares.
ℹ️ Exceções e cuidados:
- Mesmo com o fim da exigência de autorização, a atividade de AL pode ser posteriormente contestada (ver secção seguinte).
- Condomínios com regulamento interno que expressamente proíba o AL podem ter argumentos válidos para impedir ou cancelar a atividade.
Já não é necessário pedir autorização ao condomínio para abrir um AL — mas isso não significa que os condóminos estejam de mãos atadas.
Em que Situações os Condóminos Podem Opor-se à Existência de um AL?
A revogação da obrigatoriedade de autorização prévia não significa ausência de controlo. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 76/2024 introduz um novo mecanismo de oposição “a posteriori”, conferindo aos condóminos um poder real de intervir e travar abusos.
🛑 Oposição fundamentada pela assembleia de condóminos
A assembleia de condóminos pode aprovar, por maioria de dois terços da permilagem, uma deliberação que se oponha à continuação da atividade de AL, desde que:
- Haja registo de perturbações repetidas, como ruído noturno, festas, entradas e saídas constantes em horários irregulares, lixo acumulado, entre outros;
- Exista uso indevido das partes comuns ou incumprimento das regras do condomínio;
- Se demonstre que a exploração da fração como AL compromete o uso tranquilo e normal do edifício pelos demais condóminos.
🏛️ Consequência da oposição: cancelamento do registo do AL
Se a deliberação for aprovada e comunicada à Câmara Municipal, esta pode cancelar o registo do alojamento local, impedindo a sua continuação. O cancelamento produz efeitos 60 dias após a comunicação.
O proprietário tem direito a ser ouvido no processo, podendo apresentar defesa.
📑 E se o título constitutivo da propriedade proibir o AL?
Se o título constitutivo da propriedade horizontal especificar que a fração só pode ser usada para fins habitacionais e não comerciais ou turísticos, a assembleia pode deliberar, com dois terços da permilagem, a oposição imediata à instalação ou exploração do AL, mesmo que ainda não tenha causado incómodo.
Neste caso, a proibição pode ser aplicada de forma preventiva, independentemente de haver ou não conflitos anteriores.
❗ Oposição parcial ou total?
A oposição pode ser dirigida a:
- Um AL em concreto, com base no comportamento dos hóspedes;
- Ou a todas as atividades de AL no edifício, se o regulamento ou o título constitutivo o permitir e for legalmente fundamentado.
⚠️ Riscos para o proprietário:
- Cancelamento do registo AL;
- Responsabilidade por danos nas partes comuns;
- Processos judiciais por violação das regras condominiais;
- Perda de investimento e prejuízo reputacional.
Que Poderes tem o Condomínio Sobre um Alojamento Local?
Mesmo que um proprietário possa instalar um AL numa fração sem autorização prévia do condomínio (exceto hostels), existem uma série de poderes e mecanismos legais para controlar, condicionar ou até impedir a atividade. Estes poderes existem para proteger a convivência, a segurança e o uso adequado das partes comuns do edifício. Vamos detalhá-los:
📌 1. Fixar uma contribuição adicional nas quotas do condomínio
Se um AL está instalado numa fração autónoma, os condóminos podem deliberar, em assembleia, uma contribuição extra até 30% da quota anual da fração explorada como AL.
Essa contribuição visa cobrir os encargos acrescidos com a utilização intensiva das partes comuns, como o desgaste de escadas, elevadores, portas de entrada ou aumento da necessidade de limpeza.
✅ Esta deliberação deve ser tomada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio (art. 1424.º do Código Civil).
🛠️ 2. Imputar custos de obras necessárias à adaptação do imóvel
Quando a instalação de um AL exige obras nas partes comuns — como adaptações de acessos, reforço de segurança ou alteração de sistemas técnicos —, os custos são inteiramente suportados pelo titular do AL.
O condomínio não pode ser obrigado a comparticipar em obras cujo fim exclusivo seja o exercício da atividade económica por parte de um dos condóminos.
📘 3. Exigir a inclusão das regras do condomínio no livro de informações
Qualquer alojamento local está legalmente obrigado a disponibilizar aos hóspedes um livro de informações com:
- Regras internas do funcionamento do AL;
- Práticas e normas do regulamento do condomínio;
- Regras de ruído, recolha de lixo, utilização de escadas e elevadores, entre outras.
Isto garante que os hóspedes tomam conhecimento prévio das normas de convivência aplicáveis ao edifício — o que é essencial para prevenir conflitos.
📞 4. Requerer um contacto permanente e direto do titular
O titular da exploração do AL deve fornecer ao condomínio:
- Um contacto telefónico de emergência;
- Disponibilidade para intervir prontamente em caso de perturbações causadas por hóspedes.
A assembleia pode deliberar a obrigatoriedade de um número de contacto de emergência 24h, que deve ser fornecido a todos os condóminos. Esta regra tem força legal se aprovada por maioria simples em assembleia.
🔇 5. Obrigar à afixação das regras de ruído
O titular do AL é obrigado a afixar, dentro do imóvel, de forma visível para os hóspedes:
- Os horários de silêncio e regras previstas no Regulamento Geral do Ruído
- Informações práticas para evitar perturbações (uso de sapatos, festas, circulação noturna, etc.)
Esta obrigação visa proteger o direito ao descanso dos restantes moradores do prédio.
🧯 6. Exigir reforços de segurança ou higiene
Embora não esteja expressamente previsto, o condomínio pode deliberar, dentro da sua autonomia e se houver impacto direto nas partes comuns, reforçar exigências de segurança, limpeza ou higiene, desde que não violem a proporcionalidade ou o direito de propriedade.
Exemplos:
- Exigir que o acesso ao AL seja feito com código, e não com chave partilhada;
- Imposição de frequência mínima de limpeza de corredores ou entradas
❌ 7. O que o condomínio não pode fazer
- Não pode proibir um AL sem fundamentação válida;
- Não pode exigir autorização prévia, salvo se for um hostel;
- Não pode cobrar contribuições acima de 30% das quotas normais;
- Não pode revogar um AL existente apenas por preferências pessoais.
Conclusão
A instalação de um alojamento local num prédio em regime de condomínio não é uma decisão unilateral nem isenta de consequências. Mesmo que a lei já não exija autorização prévia dos condóminos (salvo em casos específicos como hostels), o bom senso, a responsabilidade e o respeito mútuo continuam a ser fundamentais.
Acima de tudo, é necessário preservar uma relação equilibrada e cordial com os restantes moradores do edifício. As relações entre condóminos devem ser protegidas — não apenas entre quem reside permanentemente, mas também entre estes e os visitantes que circulam pelos espaços comuns.
Para isso, os proprietários de alojamento local devem assumir um papel ativo:
- Filtrar adequadamente os hóspedes, evitando reservas que possam gerar conflitos;
- Definir regras claras de comportamento e uso da propriedade, em linha com o regulamento do condomínio;
- Esclarecer, logo desde o primeiro contacto, quais são as atividades aceitáveis e o que deve ser evitado para garantir o descanso e a boa convivência no prédio.
Respeitar o condomínio não é apenas uma obrigação legal — é também uma condição essencial para a sustentabilidade da atividade. Um alojamento local bem gerido, que valoriza a integração no edifício e no bairro, será sempre mais valorizado, tanto por quem o explora como por quem o habita por perto.
Na Host Wise, compreendemos a importância de manter uma convivência harmoniosa entre os alojamentos locais e os moradores dos edifícios onde estes se inserem. Por isso, trabalhamos em estreita colaboração com os administradores de condomínio em todos os imóveis que gerimos. A nossa equipa garante que existem regras claras para os hóspedes, respeitando as normas internas de cada edifício e promovendo uma boa relação com todos os condóminos. Com este acompanhamento ativo, protegemos os interesses do proprietário, prevenimos situações de conflito e asseguramos uma gestão tranquila, responsável e profissional do seu alojamento local.


